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Artes, Filmes e Séries
Melancolia e arte: uma breve história
Expressar sentimentos melancólicos através de suas obras é algo recorrente na história das artes. “Melencolia I”, gravura de 1514 do alemão Albrecht Dürer, é a obra referencial no campo das artes plásticas. De acordo com uma das muitas interpretações, essa gravura representa uma concepção de mundo em que estados de espírito e vocações eram regidos por forças exteriores ao indivíduo. Aqui, a melancolia é também a deusa das artes liberais, associada ao pensamento reflexivo e à atividade intelectual.
Melencolia I – gravura de Albrecht Dürer
A postura do anjo na imagem, com a mão apoiada na cabeça, vai se consagrar como símbolo melancólico. Essa mesma postura pode ser encontrada em obras posteriores, como o “Retrato do Dr. Gachet”, de 1890, do pintor pós-impressionista Van Gogh e a escultura “O Pensador”, de 1902, do francês Auguste Rodin, reforçando a ligação entre a melancolia e a reflexão intelectual. Esse sentimento de desesperança e medo também é visível nas obras do norueguês Edvard Munch, através de obras como “Melancolia da Noite”, de 1986, e a famosa “O Grito”, de 1893.
Retrato do Dr. Gachet – Van Gogh
A escultura O Pensador de Auguste Rodin
Melancolia da Noite – Edvard Munch
O Grito – Edvard Munch
O sentimento depressivo também é bastante cultuado na literatura, mais especificamente no século 19, durante a era do ultra-romantismo ou “mal do século”. O poeta inglês George Gordon, mais conhecido como Lord Byron, influenciou escritores de todo o mundo em sua época com seu estilo. O sentimento de mal-estar, tédio e desajuste podia ser visto nos seus poemas carregados de inspiração exaltada, crítica social, impetuosa e violenta.
Lord Byron (via: oexplorador.com.br)
No Brasil, o maior representante desse estilo é Álvares de Azevedo. O jovem poeta, que faleceu precocemente aos 20 anos, trazia em sua obra temas como o tédio da vida, as frustrações amorosas e o sentimento de morte. Saindo do Romantismo, também podemos citar o mineiro João Guimarães Rosa, com o protagonista de “Grande Sertão: Veredas”, o melancólico Riobaldo. Clarice Lispector é outra escritora lembrada pelo seu temperamento mais introspectivo.
O escritor Álvares de Azevedo
Filmes
Como as emoções que sentimos podem ser protagonistas de uma obra audiovisual, ainda mais uma obra infantil? Alegria, Raiva, Medo, Nojo e Tristeza são responsáveis por processar as informações e armazenar as memórias na cabeça da jovem Rilley em Divertida Mente. A animação da Pixar foi dirigida pelo americano Pete Docter, que procurou ajuda de psicólogos e neurologistas na preparação do roteiro.
Pôster do filme Divertida Mente
Para a psicóloga Maristela Santos, o filme mostra como é importante cada uma dessas emoções e indispensável não ignorar nenhuma delas: “A gente sempre vai ter essas emoções e todas elas são importantes. Precisamos é saber equilibrá-las”. Outro filme, que para a psicóloga Maristela também é importante, é a animação francesa A Pequena Loja de Suicídios.
A Pequena Loja de Suicídios
A princípio, o título e a sinopse do filme podem assustar. Em uma cidade triste, um ambiente mórbido, as pessoas não tem mais alegria e possuem um tom melancólico, onde o comércio mais lucrativo desse lugar é a loja da família Tuvache com produtos para suicídio, como cordas. venenos e outros objetos. O problema se dá quando a proprietária da loja engravida e dá à luz a um filho alegre, repleto de vida, contrastando com o resto de toda a população e da própria família.
Não há sorrisos, não há músicas, apenas pessoas vazias e uma enorme taxa de suicídio que só faz crescer. Mas tudo começa a mudar com a chegada do sorridente Alain na família Tuvache. O otimismo da criança faz o negócio da família fracassar, a primeira cliente ao ver Alain diz “O sorriso dele me contagiou, não quero mais fazer isso”. A criança se junta aos seus amigos e traçam um plano para livrar a cidade da depressão. Ao decorrer do filme é mostrado o que levou toda a cidade a chegar naquela situação.
Para Maristela, a importância do filme é que, por ser uma animação, ela consegue tratar desse tema para as crianças, já que a frustração e a morte são assuntos que os pais evitam tratar com elas. “Por exemplo, quando morre alguém na família, não é todo mundo que chega para uma criança de dois ou três anos e diz “vovô faleceu” ou “ele virou uma estrelinha”, explica ela. É importante para essa criança saber sobre situações de vida que ela vai experimentar e explicar para que se viva isso da maneira mais saudável.
⇒ A saúde mental constantemente vem sendo tema de diversas produções, principalmente documentários. Esquizofrenia, autismo, hospitais psiquiátricos e a luta antimanicomial, e os diversos tipos de medicamentos usados no tratamento de alguns transtornos. Enfim, a quantidade é imensa, mas aqui vou me ater a um documentário recente lançado pela Netflix em 2018: Take Your Pills, dirigido por Alison Klayman.
Take Your Pills, da Netflix
A produção fala sobre o crescente uso de drogas estimulantes por parte de estudantes norte americanos que os ajudam a manter o Foco para estudar, treinar, fazer dietas, entre outros. Para isso, eles recorrem ao Adderall, medicamento controlado do grupo das anfetaminas receitado para quem possui TDAH. Conhecido como o crack universitário, o Adderall é facilmente conseguido por estudantes universitários, atletas e empresários através do comércio ilegal, que é muito forte nos EUA.
Outra questão apontada refere-se à publicidade. Uma indústria que movimenta bilhões, requer um forte marketing e, em busca do lucro, tem-se incentivado o uso indiscriminado da droga. O aumento e a banalização do diagnóstico de crianças com TDAH também é mostrado. Para a terapeuta ocupacional Keisy Bastos, que trabalha com crianças e adolescentes, é necessário pensar a saúde de forma mais ampla: “dentro do sofrimento psíquico, há uma multiplicidade de fatores e muitas vezes o medicamento só vai calar o sintoma”.
Take your Pills torna-se relevante por trazer à luz este crescente problema na sociedade. A automedicação e a medicalização da vida. Em meio a diversos estímulos diários – Facebook, Whatsapp, Twitter, Instagram, a chuva de informações a quais somos expostos diariamentes- o foco torna-se artigo de luxo e, aparentemente, vale de tudo para conquistar ele. O Adderall é proibido no Brasil, e, além de poder causar dependência, os outros efeitos adversos dele são anestesia das nossas emoções, e a perda da capacidade criativa. Experiências inerentes ao seres humanos que vão sendo cerceadas com o uso dessas drogas estimulantes.
“Hemingway tem um momento clássico em ‘O Sol Também se Levanta’ quando perguntam para Mike Campbell como ele faliu. Tudo que ele consegue dizer é ‘Gradualmente, e depois rapidamente’. É assim que a depressão atinge. Você acorda uma manhã com medo de viver”. Essa citação é feita por Elizabeth Wurtzel no filme Geração Prozac. O filme é uma adaptação do livro best seller de 1994 da própria Elizabeth.
Cena do filme Geração Prozac
O longa de 2001, dirigido pelo diretor norueguês Erik Skjoldbjaerg, é uma autobiografia da jornalista que conviveu com a depressão quando iniciou a faculdade de jornalismo em Harvard. O cerne do problema de Elizabeth está relacionado à problemática relação que possui com seus pais, os quais não conseguiram manter uma relação saudável após o término do casamento, afetando psicologicamente a filha situada no meio de um fogo cruzado.
O filme é uma referência e um dos primeiros a tratar de forma mais próxima do real o transtorno depressivo. Além de mostrar a própria pessoa que possui a doença, também podemos ver como é difícil para os amigos e familiares lidar com a depressão dessa pessoa. As Horas, filme dirigido por Stephen Daldry, baseado no romance homônimo de Michael Cunningham, recebeu 9 indicações aos Oscar e também trata da depressão e das pessoas que convivem com quem a possui.
As Horas
O longa de 2002 foca em três mulheres depressivas de diferentes eras, durante um único dia. Alternando entre a escritora Virginia Woolf (Nicole Kidman) em 1923, a dona de casa Laura Brown (Julianne Moore) em 1951 e a moderna e independente novaiorquina Clarissa Vaughan (Meryl Streep) em 2001, as três protagonistas são interligadas pelo livro “Mrs. Dollaway”, de Woolf.
Enquanto Virginia escreve os capítulos, Laura os lê e é influenciada pelos mesmos, e Clarissa parece ser a personificação da personagem do romance. As três histórias interligadas são inacreditavelmente equilibradas e revelam a depressão de cada protagonista em sentidos claros e discretos. Outro filme também baseado em um livro, é o aclamado Garota, Interrompida. Dirigido por James Mangold e baseado na autobiografia da escritora Susanna Kaysen. A produção de 1999 relata as experiências de Kaysen, interpretada por Winona Ryder, em um hospital psiquiátrico, na década de 1960, quando ela foi diagnósticada com Transtorno de Personalidade Limítrofe (Borderline). O filme rendeu à Angelina Jolie um Oscar de melhor atriz coadjuvante.
Garota, Interrompida
De uma forma mais leve -misturando elementos do comédia e do drama, dois filmes que giram em torno do tema da saúde mental e da depressão são Pequena Miss Sunshine de 2006, dirigido pelo casal Jonathan Dayton e Valerie Faris, e As vantagens de ser Invisivel, dirigido por Stephen Chbosky, de 2012. O primeiro fala de depressão, fracasso, crítica à concursos de beleza, sucesso e relações familiares de uma forma adorável onde a protagonista é a pequena e sonhadora Olive Hoover, interpretada por Abigail Breslin. O segundo é baseado no romance juvenil do próprio Chbosky, girando em torno de Charlie (Logan Lerman), um garoto de 15 anos que inicia numa nova escola enquanto se recupera de uma depressão.
Pequena Miss Sunshine
As Vantagens de Ser Invisível
Séries
“Oi, é a Hannah… Hannah Baker. Não ajuste o que quer que esteja usando para ouvir isso. Pegue um lanche, acomode-se. Contarei a história da minha vida, mais precisamente, por que minha vida terminou. Se você está ouvindo essa fita, você é um dos porquês”. Assim inicia uma dos produtos da cultura pop mais comentados e discutidos dos últimos anos. A série da Netflix de 2017 é baseada no livro homônimo de Jay Asher e foi adaptada para a tv por Brian Yorkey.
Cena de Os 13 Porquês
A história começa com Clay Jensen (Dylan Minnette) que ao voltar da escola encontra na porta de casa um pacote com seu nome. Dentro, ele encontra várias fitas cassetes e ouve as gravações, se dando conta de que elas foram feitas por Hannah Baker (Katherine Langford), uma colega de classe e antiga paquera, que cometeu suicídio duas semanas atrás. Nas fitas, Hannah explica que existem treze motivos que a levaram à decisão de se matar, sendo cada um desses associados a uma pessoa específica, incluído o próprio Clay. Ele ouve tudo até o fim para descobrir como contribuiu para esse trágico acontecimento.
A série dividiu opiniões de profissionais como psicólogos e professores escolares. Enquanto uma pesquisa da Universidade Estadual de San Diego, nos Estados Unidos, mostra que a busca por temas relacionados ao suicídio aumentou em 19% após o lançamento da série, o número de e-mails com pedido de ajuda recebidos pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) subiu 445% após a estreia do show. Uma das críticas apontadas ao roteiro é com relação à maneira que ocorre o suicídio, como se fosse uma espécie de vingança, como se a protagonista quisesse punir àqueles que lhe causaram mal com sua própria morte.
Não foi a primeira vez que temas como bullying, da depressão e suicídio foi abordado pela mídia, mas de certa forma foi a primeira vez em que a vimos em tão larga escala. As redes sociais foram dominadas e com certeza penetrou nas casas de muita gente. Para a psicóloga Maristela esse tipo de série é necessária e interessante para trazer para a sociedade essas discussões. Sua única crítica é com relação à cena do suicídio da protagonista, que é mostrada em detalhes durante três minutos. De uma maneira geral diversos profissionais não recomendam a série para quem passa por algum sofrimento psíquico, devido aos diversos gatilhos que podem ser despertados.
One Day at a Time
Além de séries dramáticas, as comédias também vêm abordando temas relacionados à transtornos mentais, um exemplo disso é a adorável One Day at a Time, de 2017. A sitcom retrata a vida cotidiana de uma família cubano-americana, onde cada um enfrenta sua jornada. A protagonista é a Penelope Alvarez veterana do corpo de enfermagem do Exército dos Estados Unidos, que volta à vida civil enfrentando problemas como a depressão provocada por estresse pós-traumático do seu tempo no exército. Ela conta com a ajuda da mãe, Lydia, uma refugiada que deixou Cuba após a ascenção de Fidel Castro ao poder, para cuidar de seus dois filhos Elena e Alex.
Cena de Crazy Ex-Girlfriend
Além de depressão e ansiedade, a série traz em seus episódios temas como sexualidade, machismo, imigração, religião, entre outros. Outra série humorística mas que traz temas extremamentes importantes é Crazy Ex-Girlfriend. A comédia musical é focada na bem sucedida advogada Rebecca Bunch, que, após encontrar sua paixão de adolescência, Josh, em Nova Iorque, decide largar seu emprego e vender seu apartamento para se mudar para West Covina, na Califórnia, onde Josh mora.
Entre musicais bem humorados, a série vai tratar da obsessão de Rebecca por encontrar o amor perfeito, além de normalizar o corpo não magro, mostrando seus personagens com defeitos e qualidades, e possuir rápidas tiradas feministas. Devido aos seus comportamentos antiéticos e questionáveis, Rebecca não é a mocinha perfeita, mas aos poucos são mostrados os traumas que ela acumulou ao longo da sua vida que acabaram por minar gradualmente sua saúde mental.
⇒ Com o surgimento de serviços de streaming como a Netflix, que geralmente disponibiliza todos os episódios de suas séries de uma única vez, virou hábito “maratonar” todos os episódios de um seriado de uma só vez. Mas isso pode ser um sinal de depressão e solidão de acordo com três cientistas da Universidade do Texas. Para chegar a essa conclusão, eles analisaram 316 jovens entre 18 e 29 anos. Também foi apontado que o ato de assistir vários episódios em sequência pode ser considerado como um vício, relacionado a problemas de saúde como obesidade. “Por mais que considerem um vício inofensivo, nosso estudo indica que esse costume não deve ser mais encarado dessa forma”, disse Yoo Hi Sung, um dos três cientistas.
Please Like Me
Please Like Me foi lançada na Austrália em 2013 e chegou ao catálogo da Netflix em 2016. A série é idealizada e protagonizada pelo ator Josh Thomas, contando experiências da sua vida em episódios curtos que abusam do humor irônico e sarcástico. A série trata sobre a descoberta da homossexualidade do protagonista, dos seus relacionamentos com namorados e amigos e da depressão da sua mãe. Apesar da sinopse dramático e de Josh ser um personagem egoísta, inseguro e mimado, a série é bastante provocativa e uma injeção de ânimo com seus diálogos extremamente inspiradores.
Bojack Horseman
Quem também usa de um humor sarcástico e possui um protagonista egoísta e por vezes cruel é a animação Bojack Horseman, da Netflix. A sitcom criada por Raphael Bob-Waksberg é ambientada em um mundo onde os seres humanos e animais antropomórficos vivem lado a lado. O foco é na vida decadente da estrela de um seriado seriado dos anos 90, BoJack Horseman, enquanto ele tentar voltar à relevância de celebridade. O protagonista é um anti-herói com depressão que está constantemente machucando todos à sua volta, se sentindo mal com isso e tentando melhorar. Mas, por alguma razão, termina sempre recaindo nos mesmos hábitos e buscando refúgio no afastamento em drogas e bebidas. Com histórias que beiram ao absurdo, a série tem seus pontos altos e trata de temas importantes de uma forma cômica, como a legalização do aborto.
My Mad Fat Diary
Sharon Rooney interpreta Rae na premiada e elogiada série britânica My Mad Fat Diary de 2013. O show que se passa nos anos 90 retrata a vida de uma adolescente de 16 anos que enfrenta problemas psicológicos por conta de sua baixa autoestima e que, por isso, acaba indo para um hospital psiquiátrico. Ao sair, ela se esforça para esconder seus problemas de imagem corporal e mental de seus novos amigos e tem dificuldade para se encaixar na nova turma na escola.