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estudantes BW fazendo trabalho

Convivendo com a depressão

Eram seis da noite de 11 de março de 2018, um domingo, quando decidi criar uma enquete na internet para ter uma pequena noção da percepção das pessoas a respeito do suicídio. Obtive mais de mil respostas em menos de dois dias, um número que me surpreendeu. Impressionantes 95,9% das pessoas conhecem alguém que teve ou tem  depressão. 47% das pessoas disseram ter a depressão e um número assustador de 597, ou 59,2%, dessas 1010 pessoas, admitiram já ter pensado em tirar a própria vida.

Essa enquete foi bastante divulgada entre o público universitário, já que, além de enviá-la para os meus amigos, eu também a publiquei  em um grupo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no Facebook. Não é à toa que das 20 pessoas que toparam falar comigo sobre como é conviver com a doença, 14 são estudantes universitários entre 18 e 24 anos.

Segundo uma pesquisa de 2016 da Associação Nacional dos Dirigentes das instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), três em cada dez estudantes de universidades federais brasileiras (30,45%) já buscaram atendimento psicológico ao menos uma vez na vida. Desses, 6,86% frequentaram o serviço nos últimos 12 meses e 4,73% estão sob acompanhamento.

A Família 

Thais estuda terapia ocupacional na UFPE. Conheci ela através da minha irmã: ambas fizeram um curso pré-acadêmico gratuito oferecido pelos próprios alunos da instituição, o Portal, no CCS, o Centro de Ciências da Saúde da universidade. Durante uma conversa no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), ela me contou sobre a sua trajetória e o desenvolvimento da sua depressão.

Thais nasceu na ilha Itamaracá, em Pernambuco, e, morando com o pai, a mãe e o irmão, ela percebe que o machismo foi um dos principais fatores que abalaram a sua saúde mental e colaboraram para o desenvolvimento do transtorno depressivo. Enquanto seu irmão tinha  privilégios que o patriarcado pode proporcionar, como acesso a um curso de informática e aulas de luta, além de ter permissão para sair sozinho de casa, ela era proibida de fazer tudo isso.

“Eu não podia fazer fazer essas coisas porque era menina. Eu cresci ouvindo isso”, conta ela.  Aos 10 anos de idade, Thais levou uma surra do seu pai, uma pessoa muito agressiva, e, desde então, começou a tremer. Somado a isso, vieram  os pensamentos negativos de que ela não servia para nada. Como uma forma de se identificar e se conectar com algo, ela explica que começou a procurar filmes, histórias e livros que tratassem sobre a solidão.

Aos 12 anos, a mãe de Thais levou-a  para o psiquiatra pela primeira vez. A principal queixa era a tremedeira que ela sentia. Diazepam e Fluoxetina foram os remédios receitados pelo médico na sua primeira consulta: o primeiro para dormir e o segundo para a ansiedade. Inicialmente, não observando a melhora dos sintomas, as dosagens foram aumentando, ao ponto de a estudante ingerir dois comprimidos de diazepam e dois comprimidos de fluoxetina por dia, uma dosagem bem alta. Foi nesse momento que Thaís percebeu que estava começando a ficar dependente dessas medicações.

Um fato curioso é que Thais não realizou consultas com um psicólogo. Ela explica que nunca conseguiu marcar o atendimento, já que dependia do Sistema Único de Saúde, o SUS. Paralelamente a isso, a situação em casa não havia mudado. Já era rotina  seu pai chegar em casa após o trabalho e agir agressivamente com todos, inclusive em relação à própria esposa.

Aos 14 anos, Thais foi proibida de namorar e foi expulsa de casa pelo seu pai, vindo morar no Recife com amigos próximos da família. O começo na cidade nova foi bastante difícil. A jovem chegou a perder mais de 15 quilos e, nessa mesma época, parou de tomar a medicação, devido aos efeitos colaterais extremamente fortes para uma pessoa na idade dela. Os pensamentos de suicídio começaram a rondar. Ela pensou em tirar a própria vida com esses remédios, tomando todos de uma vez. A família se arrependeu da decisão de expulsá-la de casa e queriam levá-la de volta para Itamaracá.

Foi quando a possibilidade de voltar para aquele ambiente despertou um certo desespero e ela decidiu fazer de tudo para permanecer na capital, longe dos familiares. Aos 15 anos, ela começou a perceber uma melhora na sua saúde ao conhecer pessoas novas e ficar cada vez mais afastada do âmbito familiar. “O jeito das pessoas aqui era diferente, eles não exigiam nada de mim. Eu podia ser quem eu quisesse”, explica.

As coisas estavam progredindo. Thais começou a fazer um curso de inglês, até que no final de 2015, a avó dela, que sofria de esclerose lateral amiotrófica – doença que inspirou o famoso desafio do balde de gelo – começou a enfrentar a pior fase da doença. A estudante  tinha que dormir no hospital onde ela estava internada e ir para a escola pela manhã. Essa rotina se estendeu até o fim de 2016, quando a sua avó faleceu. “Foi um baque para mim. A depressão voltou e eu não falava com ninguém, voltei a ver vídeos macabros e achava que estava na escuridão. Foi algo bem louco na minha mente”, relembra.

A jovem ficou desse jeito por um tempo, até algumas amigas próximas começarem a ajudar ela. Foi nessa época que ela decidiu procurar uma faculdade e conheceu o Pré-Acadêmico Portal. Thais ingressou nele em 2017. Em geral o ano correu sem muitas surpresas, mas as crises depressivas voltaram  justamente na época do vestibular. Ela conta que sentiu muita dificuldade, especialmente na prova no Enem, e quase desistiu de realizar a prova. “Minha mão tremia muito na hora de escrever a redação. Foram duas horas que perdi entre tentar controlar a tremedeira e os pensamentos que vinham me culpando, achando que eu tinha fracassado”.

Ela estava decidida a não fazer a segunda fase do exame, mas, felizmente, uma das suas tias conseguiu incentivá-la do contrário. Após as provas do vestibular, o momento foi de tensão para Thais: havia a possibilidade de reprovação e, consequentemente, a  do retorno para a casa dos seus pais. Entretanto, ela foi aprovada e finalmente ingressou no curso de Terapia Ocupacional na UFPE. A garota conta que só descobriu o que era depressão e que sofria de tal transtorno quando já estava no Pré-Acadêmico. Após ter abandonado os medicamentos e o psiquiatra da sua cidade de origem, ela nunca conseguiu ter acesso a um psicólogo ou psiquiatra em Recife, apesar das incansáveis buscas.

Entre os hobbies que adotou para ocupar o tempo e driblar as crises, ela já apostou no desenho, na capoeira, no trompete e também na academia, mas ela acabou desistindo. Ela também fala que já foi visitar os pais e não conseguiu ficar por muito tempo devido ao ambiente hostil. “Uma vez eu fui lá e só consegui ficar por dois dias. Meu pai até reclamou que fiquei pouco tempo lá com eles”. Thais explica que a visita curta foi o suficiente pra ver que não conseguiria aguentar voltar para a todo àqueles conflitos e desavenças que viveu durante tanto tempo.

O Curso

⇒ Publicado em dezembro de 2016 no Journal of the American Medical Association, o estudo “Prevalência de depressão, sintomas depressivos e ideação suicida entre estudantes de medicina” utilizou e sistematizou dados de 195 pesquisas de 47 países, compreendendo 129.123 estudantes. A análise chegou à conclusão que a proporção de depressão ou sintomas suicidas entre alunos de medicina no mundo todo é de 27,2% e a ideação suicida -os pensamentos sobre a possibilidade de se suicidar- é de 11,1%.

Aos seus 24 anos de idade, Joana* sempre teve uma personalidade melancólica, mas, de acordo com o seu psiquiatra, a depressão só se desenvolve quando a melancolia começa a atrapalhar sua vida em vários aspectos. E não foi diferente nesse caso. Quando Joana recebeu o diagnóstico do transtorno, em 2016, sua vida já tinha se tornado um peso: ir para a faculdade, comer e até levantar da cama exigia uma força imensa. “Eu estava estagnada. Tentava fazer coisas, ficava me levando ao limite e isso era muito cansativo”, desabafa.

Joana é aluna de medicina e ingressou no curso em 2014. A graduação foi um dos motivos que levaram à piora da sua saúde mental. As dificuldades já vieram de cara, já que ela só foi convocada no segundo remanejamento e, devido a isso, chegou à turma um mês e meio depois do início das aulas. Além da dificuldade em ter que colocar todo o assunto em dia, a turma à qual pertencia não era acolhedora. Somado à isso, veio a pressão familiar por ela ser a primeira pessoa da família a ingressar em uma faculdade. A expectativa sobre ela era muito grande.

Tanta coisa acumulada resultou no aparecimento dos primeiros sintomas da depressão, ainda em 2014. A situação piorava aos poucos e ela reconhece que não ter procurado ajuda profissional ainda nessa época, no início de tudo, foi algo que agravou ainda mais o caso. Apesar dos pais da estudante não terem total entendimento do que era o transtorno, eles a apoiavam e tentavam ajudá-la da forma que podiam. “Pelo fato do meu avô já ter tido a depressão, acho que isso ajudou na compreensão por parte deles”, opina ela.

A primeira vez que Joana procurou ajuda profissional foi em 2016, quando decidiu ir a um psiquiatra. Ela foi a vários psiquiatras particulares, mas, além do mau atendimento, as crises não aliviavam. “As consultas não duravam cinco minutos e eles não procuravam saber a causa da depressão, apenas receitavam medicações para tratar os sintomas”. Ela passou a frequentar os médicos, que cobravam em torno de R$ 100 em cada sessão, apenas para obter a receita e comprar o remédio controlado.

A crise mais grave veio em 2017, quando Joana se isolou totalmente dos seus amigos, dormia bastante, chegou a perder um mês inteiro de aula, além de não conseguir comer e muito mal beber água. Joana perdeu cerca de 20 quilos em três meses. Ela não tinha forças para ficar em pé porque desmaiava. “Eu estava definhando. Eu ia acabar morrendo da mesma forma que o meu avô. Meus pais estavam desesperados”. Então, um dia, a estudante criou forças, saiu de casa e  pegou um ônibus em direção ao Hospital Universitário Oswaldo Cruz, da Universidade de Pernambuco (UPE).

Joana relembra que foi acolhida “de maneira maravilhosa” por um psiquiatra. O médico chegou à conclusão de que a sua mais nova paciente estava no estágio 3 do transtorno depressivo maior, que é quando começa a ideação suicida. Ao contrário dos anteriores, o novo psiquiatra trabalhou em cima da causa da depressão, conversando sobre as formas de terapia, além de indicar para ela um terapeuta com um preço muito mais acessível. Somado a isso, ela passou a tomar uma nova medicação.

Além da depressão, a jovem descobriu que também possuía o Transtorno de Ansiedade Generalizada – TAG, que fazia ela ter bloqueios nas relações sociais. Na terapia foi trabalhada a técnica do TCC, a Terapia Cognitivo-Comportamental, que tem como objetivo auxiliar e melhorar casos de depressão e ansiedade relativos ao cotidiano. Após ter reprovado um período por causa das crises, Joana passou a ficar em uma nova turma, que era mais acolhedora que a antiga. Ela se emociona ao contar que durante uma crise que teve no dia de uma prova, um amigo dessa nova turma foi até a casa dela para buscá-la de carro e levá-la para fazer o exame.

A espiritualidade foi outro campo no qual a estudante começou a trabalhar e que ajudou na melhora da sua saúde mental. “Eu fui evangélica por 14 anos e hoje sou espírita. Minha vida mudou bastante depois que comecei a fazer trabalho espiritual”, explica. Joana é médium e, devido a isso, tem uma abertura maior a receber energias externas. Isso acaba atrapalhando no tratamento da depressão, visto que ela absorve mais tais energias. “Existem determinados locais que eu vou e já fico mal. Quando comecei a trabalhar minha mediunidade, a melhora foi absurda”.

A mudança

Victor percebeu que tinha a depressão em 2013, quando saiu de Timbaúba (PE) e veio morar no Recife. Após concluir o ensino médio e se mudar para a nova cidade, ele não conseguiu a aprovação para a graduação de direito, curso o qual  a família insistiu para ele prestar o vestibular. O estudante passou um ano bastante recluso, isolado em casa o tempo inteiro, pois não conhecia ninguém na nova cidade.

A família de Victor é toda do interior. A sua mãe sempre trabalhou na capital de Pernambuco e ia para casa no interior a cada 15 dias. Isso era sua rotina até ela se mudar de vez para a cidade com o filho mais velho e Victor passou a morar com uma tia. Ele conta que a sua tia sempre o tratou bem, mas isso não impediu de ele se sentir deslocado dentro de casa. Após terminar o colégio e vir morar no Recife, a relação com a mãe e o irmão também era distante. “A gente não senta e conversa, é como se eu morasse sozinho em casa”, desabafa.

Victor desistiu de tentar o curso de direito e decidiu cursar Relações Internacionais na Faculdade Damas, em 2014. A rotina mudou um pouco, mas ele não conseguiu se enturmar logo e quase desistiu da graduação. Foi justo nesse momento que chegou com mais força a constatação de que ele possuía a depressão. Mesmo após fazer amigos novos e ter uma nova rotina, ele não sentia tanto ânimo para realizar suas atividades. Victor chegava a dormir 20 horas por dia, além de sentir muita dor de cabeça e não se alimentar direito durante as crises mais graves.

A mãe do jovem tentou ajudá-lo, mas ele recusou, por pensar que que não queria dar ainda mais trabalho para ela. O estudante  procurou ajuda profissional, mas sempre fica na fila de espera de locais com preços mais acessíveis, já que pagar um valor mais alto está fora de cogitação por causa de suas condições financeiras. Além da faculdade, outro campo em que a depressão acabava por ocasionar prejuízos era o amoroso, especificamente o relacionamento com o seu  namorado. “Eu estou nesse relacionamento há mais de dois anos e houve momentos em que eu estava muito possessivo e carente, jogando uma responsabilidade que não cabe a ele. Eu tenho consciência que nem todos os problemas que tivemos eram completamente culpa minha, mas a depressão acaba influenciando também”, explica.

⇒ A psicóloga Juliana Mazza explica que a psicologia é, historicamente, um tipo de atendimento ancorado na medicina e, no início, foi ofertado para a classe média e classe alta, o que torna o valor desse serviço tão alto hoje em dia. Antes, uma pessoa pobre ou negra que sofria de depressão ou qualquer outro tipo de transtorno mental era mandada para os asilos ou manicômios, e, claro, não recebia os devidos cuidados devido à superlotação desses locais e a falta de profissionais para atendê-los. Isso foi mudando com o tempo graças a pessoas como a psiquiatra alagoana Nise da Silveira e o psiquiatra italiano Franco Basaglia. Ambos começaram a humanizar o serviço de saúde mental, que acabou dando origem ao Movimento da Luta Antimanicomial.

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A psicóloga Juliana Mazza (Foto: Marina Varela)

O Relacionamento

A jornalista Marcia conviveu durante cinco anos com a sua crise de depressão mais forte e duradoura. A luz vermelha de alerta e que ela precisava de ajuda surgiu enquanto ela estava dirigindo. “De uma hora para outra eu senti como um susto, do nada veio aquele negócio ‘ôpa, não tô bem’”, explica. Ao chegar em casa, ela rapidamente ligou para uma terapeuta, amiga dela, que a indicou a um especialista para dar início ao tratamento. Por já conhecer uma psicóloga, Márcia não teve dificuldade para conseguir ajuda profissional, mas ela reconhece que o valor da consulta com um especialista é alto, tornando-se inacessível para muitas pessoas.

A jornalista conta que crescer em um ambiente com uma família muito agressiva e ter tido um marido também agressivo contribuiu para o desenvolvimento do quadro. Marcia hoje também evita relacionamentos afetivos, porque isso acabou se tornando seu “gatilho” emocional. Apesar de a doença não atrapalhá-la no seu trabalho, ela tirou dois meses de licença logo quando o transtorno se instalou, que foram os períodos de pico. Ela tomou um  antidepressivo, o qual ela não lembra o nome, além do Rivotril, remédio controlado que auxilia o problema de insônia.

Marcia perdeu 10 quilos, ficando extremamente debilitada e preocupando os médicos. Ela chegou a pesar 40 quilos. Também enfrentou episódios de Dissociação: ela não se recorda de diversos momentos que ela viveu durante três anos da crise de depressão. “É um hiato de três anos, só tenho flashes de alguns acontecimentos porque alguém me contou”, explica. Ela diz que muita coisa do que houve nesse período ela só veio saber muito tempo depois.

⇒ Na psicologia, a dissociação é um fenômeno que diz respeito à desconexão que algumas pessoas sofrem entre seus pensamentos, suas emoções, suas memórias e sua própria identidade. Tudo isso é ocultado por ser muito chocante para a mente consciente integrar. Alguns psicólogos definem a dissociação como um mecanismo de defesa do inconsciente ou que colocamos em prática de maneira inconsciente, para não experimentar dor emocional perante um conflito ou uma situação estressante.

Por causa do ambiente hostil onde cresceu, Marcia não pôde contar com o apoio dos irmãos. Enquanto uns alegavam que o que ela estava passando era “frescura”, outros seguiam um caminho mais religioso, remetendo a cura da doença a Deus, o que dificultava na compreensão do transtorno que ela sofria. A jornalista encontrou apoio nos filhos, nos amigos e lembra que foi com colegas de trabalho onde encontrou o maior alicerce para superar a doença.

Um pouco depois de Marcia melhorar, seu filho também desenvolveu a depressão. Ela suspeita que, ao contrário da sua, que foi provocada, a dele seja herança genética. Ela diz que ele está sendo acompanhado por uma psicóloga. Marcia conta que ter depressão é como olhar para dentro de seus fantasmas e mergulhar nesse lado obscuro. E a aceitação da doença é o primeiro passo para se tratar.

A Maturidade

Os primeiros sintomas de depressão e ansiedade surgiram na vida de Beatriz* quando ela tinha 15 anos de idade, na época em que iniciava o ensino médio. Nessa época, ela começou a ter muitas crises de ansiedade, além dos primeiros sentimentos negativos, mas ela não entendia o porquê. O diagnóstico só veio de fato aos 20 anos, quando ela passou a frequentar uma psicóloga, assim como um psiquiatra, três meses depois. “Eu descobri que aquilo que eu sentia não era apenas uma emoção estranha. Era uma doença que tinha nome e tratamento”, comenta.

Beatriz é estudante e mora só desde que sua mãe se mudou, quando ela tinha 20 anos. Somada a essa mudança, a estudante enfrentou algumas dificuldades no namoro que acabaram contribuindo para a piora do seu quadro. Isolamento, crises de ansiedade, tremedeira e reprovação em disciplinas da faculdade foram alguns dos efeitos provocados por toda essa mudança. “Eu comecei a chorar em todo canto, não conseguia ficar sozinha por mais de meia hora porque era inundada de pensamentos negativos”, relembra.

Foi mais ou menos nessa época que os avós dela perceberam a gravidade da situação e tentaram ajudá-la. Nessa mesma fase, ocorreu o término do seu namoro e, já no dia seguinte, ela começou a frequentar a psicóloga. A estudante decidiu por conta própria procurar ajuda profissional após perceber que aqueles problemas não acabariam sozinhos. A terapia a ajudou a perceber alguns pontos em que ficava presa, pontos esses que a impediam de seguir em frente. “Eu nunca tinha pensado que poderia ter a depressão até receber o diagnóstico. Depois que ela (psicóloga) me falou, parece que tudo fez mais sentido. É como uma peça de quebra-cabeça que se encaixou”. Ela permaneceu com essa terapeuta durante um ano.

Beatriz confidencia um fato que abalou a relação com a mãe. Aos 18 anos, ela foi estuprada por um vizinho. Sua mãe acabou descobrindo e culpou a filha. Sentindo-se mal com aquela situação, Beatriz tentou se suicidar tomando uma cartela inteira de um analgésico. Entretanto, nada de grave aconteceu. No ápice de uma crise, ela contou que subia em lugares altos e imaginava como seria se ela se jogasse. “Eu me lembro de uma vez em que um carro caiu de uma ponte que eu atravessava para ir para a casa dos meus avós e pensei em fazer a mesma coisa”, confessa.

⇒ O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213, considera como estupro constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. É considerado um crime hediondo e que pode deixar sequelas emocionais graves à vítima. Uma pesquisa da Datafolha, de 2016, apontou que 3 a cada 4 brasileiros culpam a mulher em casos de violência sexual. Essa culpabilização pode ir desde do clássico “usou roupa curta para provocar” até a forma não-intencional, quando, por exemplo, ouvimos falar sobre um crime e automaticamente pensamos que a vítima poderia ter sido mais cuidadosa.

Hoje, Beatriz está em um novo relacionamento e continua morando sozinha. Ela conta que a principal dificuldade é lidar com as exigências da faculdade e com a pressão do trabalho. Quando tinha crises de ansiedade, ela acabava faltando às aulas para  dormir. A estudante decidiu, então, voltar às consultas com a psicóloga para lidar melhor com esses novos desafios da sua vida. Ela também utiliza óleos essenciais e pratica meditação para melhorar a sua saúde mental, principalmente em época de provas da faculdade. “Eu pratico exercícios físicos quando estou em crise, é algo que me ajuda bastante. Quando voltava de alguma prova, completamente ansiosa, eu saía  para correr e me sentia aliviada”, explica a jovem.

*Os nomes com asterisco são de fantasia para preservar a identidade à pedido da própria pessoa.

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