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povos de passeio

Depressão: um mal silencioso

Uma rápida pesquisa no Google e surgem mais de 8 milhões de resultados; no Youtube são cerca de um milhão de vídeos, dos quais boa parte são são de pessoas desabafando e contando sobre a doença na vida delas. O transtorno depressivo afeta todas as famílias, classes sociais, sexos e raças, é como um buraco negro que suga toda a energia, sonhos e desejos e que engole toda a vitalidade de quem o possui.

Considerada como o mal do século XXI pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é a principal causa de incapacidade mental e física do mundo. Segundo relatório da OMS, 322 milhões de pessoas, 4,4% da população global, estavam vivendo com depressão em 2015. A cada ano, os baixos níveis de informação e a falta de acesso a tratamentos para depressão levam a uma perda econômica global estimada em mais de um trilhão de dólares. A doença acaba debilitando o trabalhador, forçando-o a sair do emprego e ocasionando esse prejuízo.

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As mulheres são mais afetadas do que os homens e o Brasil é o país com maior prevalência do mal na América Latina. 5,8% ou 11,5 milhões de brasileiros sofrem com o mal. Além da depressão, o nosso país é recordista mundial em prevalência de transtornos de ansiedade: 9,3% da população, 18,6 milhões de pessoas, sofrem com o problema.

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A depressão é classificada como um transtorno mental na quinta e mais recente edição do Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, sigla em inglês), um dos principais guias psiquiátricos. Ela resulta de uma complexa interação de fatores sociais, psicológicos e biológicos e representa uma possibilidade de estagnação do indivíduo, de paralisação, não só de uma pessoa, mas de uma sociedade.

Do ponto de vista individual, a depressão representa uma não conexão, uma tristeza profunda, um recolhimento. Recolher e pensar nas coisas da vida é importante para que se compreenda, contemple e transforme. “O ponto é quando a gente se recolhe e permanece nesse recolhimento e, o que era uma forma de lidar com problema, acaba por virar o próprio problema”, diz o psiquiatra João Carlos Leitão.

Mesmo tendo crescido bastante, algumas pessoas relutam em reconhecer o transtorno depressivo como sendo um problema de saúde pública. “Nós vivemos em uma época de informações muito grande sobre depressão e saúde mental, mas ainda há resistência da população em falar abertamente sobre isso e até mesmo para os pacientes aceitarem que possuem a doença e que precisam de tratamento”, diz a psicóloga Maristela Santos.

Da melancolia à depressão

O escritor inglês Samuel Johnson (via: UniversalImagesGroup/Getty Images)

O escritor inglês Samuel Johnson (via: UniversalImagesGroup/Getty Images)

Depressão é um termo relativamente novo na história, sendo usado pela primeira vez em 1680, para designar um estado de desânimo ou perda de interesse. Em 1750, o escritor Samuel Johnson incorporou o termo ao dicionário. O desenvolvimento do conceito de depressão emergiu com o declínio das crenças mágicas e supersticiosas que fundamentavam o entendimento dos transtornos mentais até então. “O que se entende por depressão hoje era denominado melancolia antigamente, mas é difícil chegar a um consenso porque os transtornos mentais e a saúde mental são cheios de significações”, alerta o professor e sociólogo Arthur Perrusi.

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​Hipócrates por Peter Paul Rubens

Quem primeiro notou características depressivas e sistematizou em um nome foi Hipócrates, considerado o pai da medicina, no século 4 a.c. Ele criou o nome melancolia a partir da junção de duas outras palavras: mêlas = negro e kholê = bile, um dos quatro humores que compõe o corpo humano, os outros três seriam a bile amarela, o sangue e a fleuma. De acordo com a teoria dos humores, no seu estado normal, o homem teria os quatro equilibrados, o problema se daria em casos de excesso de algum deles. Bile amarela demais causaria um temperamento raivoso, da mesma maneira que a bile negra em abundância provocaria a tristeza profunda. “Se a tristeza e a angústia não passam, o estado é melancólico”, disse Hipócrates. 

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São Tomás de Aquino por Carlo Crivelli

Já na Idade Média, o termo usado foi acédia. Segundo Arthur Perrusi, a acédia era uma espécie de indiferença, de inércia, de falta de interesse caracterizada pela apatia, sendo confundindo com a preguiça.  A definição de São Tomás de Aquino, grande filósofo do cristianismo, era de “uma tristeza devastadora, que produz no espírito do homem uma depressão tal que ele não tem mais vontade de fazer nada. A acédia é um desgosto pela ação”. A partir do século 18 os médicos começaram a se interessar pelas doenças mentais, os chamados alienistas que consideravam a melancolia como um tipo de loucura ou como uma mania.

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O escritor François-René de Chateaubriand foi quem criou a expressão “Mal do Século” (pintura de Paulin Guérin)

Com o romantismo em alta, a melancolia voltaria a ser utilizada no século 19. Passa a se acreditar que o órgão que secreta a bile negra é o baço (ou spleen, em inglês) e ele vira sinônimo de angústia e mau humor. O sentimento depressivo é cultuado nessa época e acaba sendo ligado aos poetas e gênios, assim como a tuberculose. “Estar magro, branco, pálido eram características valorizadas e colocadas como belas”, diz Arthur Perrusi. O poeta inglês George Gordon, mais conhecido como Lord Byron, e o escritor brasileiro Álvares de Azevedo, são figuras célebres desse sentimento de mal-estar, desajuste e solidão que ajudaram a definir o termo mal du siècle ou Mal do século.

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O criador da psicanálise, Sigmund Freud, comparou a melancolia ao estado de luto (via: revistagalileu.globo.com)

Em 1915, Freud comparou a melancolia ao luto: “ambos provocam uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão pelo mundo exterior”. A necessidade de uniformizar e, principalmente, adequar os tratamentos às doenças mentais, fez surgir, em 1952, o primeiro Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria.

A classificação das desordens mentais já aparecia na Classificação Internacional de Doenças da OMS, porém, após o DSM essas doenças receberam um tratamento específico. “Hoje, boa parte dos psiquiatras vão lidar com a depressão como uma espécie de distúrbio da serotonina, então vão tratar com antidepressivos e isso se inicia na segunda metade do século 20, quando começam a surgir os psicotrópicos para fins terapêuticos”, explica Arthur Perrusi.

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atual Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – DSM-5 (via: mundodapsi.com)

De acordo com o psiquiatra João Carlos, a utilização de medicamentos dentro do campo da saúde mental passou por um avanço muito grande e isso vem da comunicação e relacionamento da psiquiatria com as neurociências. “Eu posso dizer que há um avanço e os medicamentos de hoje são mais eficazes, eficientes, efetivos e com menos efeitos colaterais”, resume o psiquiatra.

Atualidade

Moradora do Mato Grosso do Sul, Livia Portilho tem 21 anos de idade e recebeu o diagnóstico da depressão aos 15, mas conta que sempre foi uma criança melancólica: “desde os quatro anos eu tive esse humor, mas foi uma coisa que foi agravando com o tempo e recebi o diagnóstico após uma tentativa de suicídio”. De acordo com a psicóloga Verônica Feitosa, a depressão na infância se difere da depressão num adulto, “o principal comportamento que a criança começa a desenvolver é a agressividade, e não a tristeza profunda”. Existem pessoas com depressão crônica porque a possuem desde cedo mas nunca foi tratada e elas se acostumam a viver daquela forma. “O paciente acaba criando mecanismos de defesa para aprender a lidar com aquilo”, explica a psicóloga.

É comum achar que a depressão tem muito a ver com a fase adulta, o que não se comprova já que segundo dados da Organização Mundial de Saúde o índice de crianças entre 6 e 12 anos diagnosticadas com a doença saltou de 4,5% para 8% na última década. Para a medicina, a depressão infantil é uma patologia relativamente nova. Foi somente nos anos 1970 que ela passou a ser reconhecida na literatura médica, sendo que antes disso os casos eram considerados raríssimos ou inexistentes. “Muitas vezes a depressão infantil tem muito a ver com o adoecimento dos pais, do ambiente familiar”, explica o psiquiatra João Carlos. Existe uma predisposição genética, mas os aspectos sociais são tão importantes quanto.

“Eu associo muito a depressão na fase da infância à questão do abuso sexual numa criança que aparentemente é normal e começa a desenvolver um quadro de irritabilidade, de agressividade, de terror noturno”, diz a psicóloga Verônica Feitosa. Começar a acordar mais tarde, dor de cabeça frequente, notas baixas na escola e falta de apetite são sinais de alertas. “Uma criança não querer comer ou tomar banho é normal, mas é possível ver que há um padrão e quando ela está doente essa rotina muda”, explica o psiquiatra João Carlos.

Além da depressão, Livia também descobriu que sofria com ansiedade crônica e possui ainda a suspeita de Borderline. De acordo com a psicóloga Maristela, é bastante comum a pessoa ter a depressão e desenvolver, como comorbidade, a ansiedade. “Uma coisa acaba atrelado à outra, a pessoa geralmente nunca tem só um transtorno, é como uma pessoa que é hipertensa e depois começar a ter problemas cardíacos”, esclarece ela. A ansiedade tem crescido bastante e Maristela Santos explica que, por exemplo, o medo de sair de casa, o medo de trabalhar, são coisas que vão se acumulando e fazendo com que a gente desenvolva esse transtorno.

⇒ A Síndrome de Borderline, também chamada de transtorno de personalidade limítrofe, é caracterizada pelas mudanças súbitas de humor, medo de ser abandonado pelos amigos e comportamentos impulsivos, como gastar dinheiro descontroladamente ou comer compulsivamente, por exemplo. Geralmente, as pessoas com Síndrome de Borderline têm momentos em que estão estáveis, que alternam com surtos psicóticos, manifestando comportamentos descontrolados. Esses sintomas começam a se manifestar na adolescência e se tornam mais frequentes no início da vida adulta. Por vezes, esta síndrome é confundida com doenças como esquizofrenia ou doença bipolar, mas a duração e intensidade das emoções são diferentes.

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Livia conta que após a tentativa de suicídio foi internada antes de receber o diagnóstico.  “Na minha cidade o padrão é você ser internada para saber se está estável”. Ela ainda tinha dor de cabeça e dor de estômago devido ao fato de não se alimentar direito, além de ter tomado ritalina, o metilfenidato, por quatro anos até ficar estável. “Após o diagnóstico eu mudei minha visão sobre isso, vi que era algo que muitas pessoas passavam, antes eu achava que tinha feito algo para merecer isso”, desabafa a estudante. A depressão piorou a relação familiar de Livia, os pais dela reagiram de forma negativa. “Eles diziam que eu estava apenas querendo chamar atenção”. A solução foi morar com a irmã. Elas alugaram uma casa juntas. “Apesar de não entender certas situações, minha irmã foi a pessoa que mais me deu apoio até hoje”.

A depressão pode ser dividida em estágios: leve, moderada e grave e pode ser de duração curta, média ou longa. E como saber quando alguém está com depressão? Na maioria das vezes, para alguém ser diagnosticado com depressão, essa pessoa precisa apresentar os sintomas há pelo menos seis meses, “menos que isso é quadro de tristeza, tristeza profunda ou estado depressivo”, lembra Maristela Santos, que acrescenta ainda: “estar em estado depressivo é diferente de ter depressão”.

Um tipo de depressão bastante comum é a distimia. Ela é branda, porém crônica. João Carlos Leitão conta que teve a distimia por 10 anos e só descobriu durante a faculdade. “Ela dura muitos anos e ninguém consegue enxergar como depressão porque acabam achando que é da personalidade”. A distimia geralmente dura anos e é caracterizada por mau humor contínuo, sintomas depressivos de intensidade moderada e dificuldade para finalizar tarefas do cotidiano, porém não há perda do funcionamento e estagnação total tal como na depressão grave. “Essa depressão tem uma tendência a afundar numa depressão grave e é aí que as pessoas percebem que estão doentes e procuram ajuda”, explica o psiquiatra.

Livia chegou a frequentar três psiquiatras e cinco psicólogos diferentes e diz que chegou a desistir do curso que fazia, bacharelado em ciências sociais. “Eu reprovava direto porque mal conseguia ir para as aulas, ficou impossível para mim e preferi desistir”. De acordo com João Carlos, na depressão o paciente paralisa e entra dentro daquela bolha de existência, onde só consegue enxergar as coisas de um ponto de vista negativo e aquilo tem uma tendência a se sustentar durante um período longo se não tratado.

O transtorno depressivo no cérebro

O cérebro é um órgão que é responsável por inúmeras funções do corpo humano por meio das comunicações entre as bilhões de células que formam o sistema nervoso: os neurônios. Essas estruturas podem gerar efeitos devastadores quando afetadas por fatores externos, estresses do cotidiano, ou fatores internos, como algum descontrole do próprio corpo.

O problema ocorre quando os neurotransmissores (substâncias químicas produzidas pelas células nervosas) vão se desregulando. “Os principais neurotransmissores para o cérebro funcionar de maneira adequada são a dopamina, a serotonina, o glutamato e a noradrenalina”, explica o psiquiatra João Carlos Leitão.

A serotonina, por exemplo, é a grande responsável pelas reações do estresse, pelo controle do humor e é o principal alvo dos medicamentos antidepressivos. A dopamina quando em baixa ocasiona na falta de concentração e memória, irritabilidade e desmotivação. Já a noradrenalina também tem papel preponderante no nosso humor, sono, ansiedade e alimentação.

Maristela Santos conta que na depressão o prejuízo da comunicação neuronal vai além de comportamentos como tristeza, raiva e desânimo. “Há uma perda também na área cerebral do córtex pré-frontal, que é responsável pela memória e pelas funções executivas, afetando a cognição do ser humano”, explica ela.

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Áreas mais afetadas (via: Agência J.Press de Reportagens da USP)

De uma maneira geral não é possível apontar uma única estrutura culpada em relação aos transtornos depressivos no cérebro, já que o distúrbio vem da ação conjunta de várias alterações no órgão. Mas as áreas mais afetadas pelo mal, além da área do córtex pré-frontal, são o sistema límbico, responsável pelas emoções e formado por estruturas como o hipocampo, a amígdala, o tálamo. Outras partes acometidas são os lobos frontais e os núcleos da base.

Existem diversos estudos à respeito da depressão. O acesso à informação e a difusão de conteúdos sobre esse transtorno aumentou bastante, visto a quantidade de resultados – entre pesquisas, estudos, notícias, listas, dentre outros – disponíveis no buscador do Google, como foi citado no começo desta reportagem.

É preocupante que apesar de tudo isso e de cada vez mais pessoas falarem amplamente sobre o transtorno depressivo, esse número seja irrisório diante de uma grande parcela da população que prefere se calar e não discutir sobre ele. Qualquer pessoa está sujeita a ter o transtorno depressivo – uns podem estar mais propensos do que outros. Saber o que é a depressão e falar sobre ela abertamente é importante e representa o primeiro e, talvez, o mais significativo passo para ajudar alguém que possa estar com a doença ou para identificar se ela começar a se desenvolver em nós mesmos.

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