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Redes Sociais e Música

“Hipster da Depressão, “Escola da Depressão”, “Artes Depressão”, “Diva Depressão”, “Depressiva Depressão”. Todas esses nomes são de páginas de humor do Facebook. Imaginem se, no lugar da depressão, essas páginas tivessem o nome de uma outra doença, como o câncer, o diabetes ou até mesmo a AIDS. Seria absurdo e extremamente ofensivo. Mas por que é tão aceitável e comum que se empregue levianamente o nome da depressão? Uma doença que incapacita e que mata cada vez mais pessoas é muitas vezes romantizada de uma maneira que dificulta ainda mais para exorcizar os mitos que se cria em torno dela.

Já o Tumblr, uma plataforma de blogging, é usado como uma espécie de “diário” para quem tem – ou pelo menos acha que tem – algum transtorno mental. A depressão e o suicídio, por exemplo, são sintetizados em frases, imagens e gifs geralmente com uma estética em preto e branco. “Ineedsuicide”, “Rosesuicide”, “Cortesuicida”, “Mybestdepression”, “Laminas-suicidas”:  são centenas de perfis de usuários em diversos idiomas que compartilham de conteúdos semelhantes. Um lado positivo é que, ao pesquisar sobre depressão, suicídio ou cortes, aparecem mensagens da própria rede social para ajudar o usuário.

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Resposta do Tumblr ao pesquisar pelo termo “depressão” e "cortes"

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O Facebook também disponibiliza de recurso semelhante ao pesquisar palavras como depressão ou suicídio

Apesar dessas medidas, nada parece ser suficiente para frear a constante banalização e romantização dos transtornos na internet. Para a terapeuta ocupacional Keisy Bastos, essas doenças muitas vezes são vistas como besteira: “Banaliza-se o sofrimento e o quadro depressivo do paciente fica bem mais grave quando se podia estar fazendo uma intervenção antes de chegar a esse estado”, explica a profissional.

Uma outra problemática das redes sociais é a insensibilidade das pessoas e a ideia do que é ter depressão. Na cultura pop não há muitos exemplos de pessoas com depressão “que levam uma vida normal”, só de pessoas cujo transtorno desestabiliza suas vidas completamente. Um exemplo de como isso acaba influenciando negativamente a vida real é uma notícia de 2015 onde uma mulher, diagnosticada com depressão e que recebia auxílio-doença do INSS, perdeu o benefício após postar fotos “felizes” no Facebook. As imagens de passeios em cachoeiras com legendas como “não estou me aguentando de tanta felicidade” foram usadas como prova pela Advocacia-Geral da União (AGU) para provar que ela não estava incapacitada por quadro depressivo grave e poderia retornar ao trabalho.

O Instagram recebe muitas críticas por maquiar uma suposta alegria que seria apenas passageira e, em contraponto a isso, surge uma corrente que valoriza o gosto pelo obscuro e depressivo. Uma espécie de aura misteriosa é criada, deixando a pessoa mais inteligente e sedutora. Quando Lana Del Rey canta “I’m pretty when I cry” (Eu fico bonita quando choro) resume esta ideia: a tristeza causa uma sensação de beleza e vício tão fortes que, uma vez sentindo e exposto, vira um ciclo. A frase “Queria estar morta” proferida pela cantora durante uma entrevista acabou virando meme nas redes sociais, principalmente no Twitter, onde não muito raramente é possível ver a banalização de sofrimentos psíquicos.

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Banalização e romantização do transtorno de borderline

Os comentários de usuários do twitter sobre uma pessoa que estava prestes a tirar a própria vida

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O CFCH é um prédio localizado na UFPE, famoso por ser a escolha de muitas pessoas para darem seu último adeus

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O transtorno bipolar sendo reduzido a uma simples mudança de humor

Música

Uma pesquisa da Free University of Berlin, liderada pelas pesquisadoras Liila Taruffi e Stefan Koelsch, mostra que escutar músicas tristes é mais agradável aos ouvidos e pode até deixar o ouvinte mais alegre. O estudo, divulgado em 2014, coletou dados de 772 pessoas do mundo todo. Essas pessoas contaram com que frequência escutam músicas tristes, em quais situações o fazem e que tipo de emoções vêm à mente quando ouvem.

Eis as respostas: paz de espírito, transcendência, reflexão, nostalgia e até ternura. Ainda segundo a pesquisa, em quase todos os casos, as pessoas buscam músicas tristes quando estão passando por algum problema emocional ou se sentem solitárias: “Os ouvintes escutam essas músicas quando experimentam algum estresse emocional, para facilitar a espantar emoções negativas”

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Enquanto o debate sobre a depressão e o suicídio é abafado na sociedade, na internet ele é representado de diversos modos. Se no século 19 tínhamos figuras como Álvares de Azevedo e Van Gogh para trazer a melancolia para a arte, hoje essa representação da tristeza vem através da cantora Lana del Rey. A famosa e controversa frase “Queria estar morta”, foi dita por ela em 2014 em uma entrevista a um jornal britânico, acabou virando meme nas redes sociais. Perguntada pelo repórter Tim Jonze se ela vê glamour na morte, a artista respondeu: “Não sei. Talvez”. Em seguida, completou: “Eu queria estar morta.”

Emmanuel Sousa é formado em Rádio, TV e Internet pela Universidade Federal de Pernambuco e em seu trabalho de conclusão do curso falou sobre a melancolia presente na obra de Lady Gaga e de Lana del Rey: “Para mim, a música é a mais bela de todas as artes e eu sempre gostei de músicas com temática mais sombria.  É muito mais fácil trabalhar com aquilo que você gosta”. Ele faz uma analogia ao movimento do barroquismo e do romantismo. Em sua análise, ele conclui que a cantora de “Bad Romance” está mais para o romantismo enquanto a intérprete de “Video Games” está mais para o barroco. “Lana é introspectiva, sussurra. Gaga grita, é um furacão. Lana é ‘Baco’ de Caravaggio e Gaga é ‘O Sonho da Razão Produz Monstros’, de Goya”, explica ele.

Ele explica que Lana del Rey não é uma artista engajada socialmente e o debate sobre as questões da saúde mental foi levantado de forma indireta pela crítica. Já com relação a Lady Gaga, que com suas crises de fibromialgia, doença que pode ter raízes psicológicas, tem levantado o debate sobre saúde mental. “Ela recentemente participou de um comercial, o Minuto da Saúde Mental, veiculado em centenas de rádios e contou com a participação dos príncipes Harry e William durante a semana de conscientização sobre o tema no Reino Unido”, informa Emmanuel.

⇒ Em maio de 2018, um estudo da University of California, publicado no Royal Society Open Science, mostrou que a música pop ficou mais triste nos últimos 30 anos. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão após analisar mais de 500 mil músicas lançadas no Reino Unido entre 1985 e 2015 e catalogaram de acordo com seu humor, vendo pelas letras. Eles perceberam que “felicidade” e “brilho/alegria” foram diminuindo, dando lugar a sentimentos de solidão e isolamento social. Mas mesmo com “tristeza” tomando cada vez mais espaço, as músicas se tornaram mais “dançantes” e “de festa”. Natalia L. Komarova, co-autora do estudo, disse para a Associated Press que “a impressão é que enquanto o humor geral está ficando menos feliz, as pessoas parecem querer esquecer tudo e dançar.”

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Emmanuel estendeu o projeto de conclusão e criou um blog falando sobre saúde mental e cultura pop. Em uma das análises, ele fala um pouco sobre o álbum mais recente da banda norte americana Paramore, o “After Laughter”, de 2017, que trata sobre a experiência dos integrantes do grupo com a depressão. “Apesar de ser possível dançar ao som das músicas, as letras não falam sobre flores. A maioria dos comentários que vi relacionados ao álbum foram de gratidão por alguém externar algo que pode ser tão sofrido”, esclarece ele.

Falar sobre sentimentos melancólicos e experiências pessoais com transtornos mentais é algo relativamente comum na música pop.  Em 2017, por exemplo, vários artistas lançaram material com esse conteúdo menos feliz. A cantora neozelandesa Lorde lançou o álbum Melodrama e declarou que o álbum trata sobre a sua transição da adolescência à vida adulta.

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Em uma das músicas mais executadas do novo álbum da artista, “Liability” (fardo -em tradução livre), ela fala sobre uma sensação muito comum em algumas pessoas com depressão, de se sentirem um peso, um incômodo na vida daqueles que o cercam. Outra cantora que também tratou sobre algum tipo de transtorno mental foi a britânica Marina and the Diamonds. Em “Disconnect”, música em parceria com o grupo Clean Bandit, ela trata um pouco da ansiedade e da solidão do mundo moderno. Um fato curioso é que pouco tempo após o lançamento da canção, a cantora anunciou nas suas redes sociais que decidiu dar uma pausa na carreira para, entre outras coisas, iniciar um curso de psicologia.

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A cantora norte-americana Kesha, conhecida por músicas contagiantes e festivas como “Tik Tok”, lançou também em 2017 o álbum “Rainbow” (arco-íris – em tradução livre), após anos sem lançar material novo devido a uma batalha judicial que enfrentou contra o seu empresário Dr. Luke, devido ao abuso sexual, físico, verbal e psicológico que sofreu por parte dele. O caso gerou grande repercussão na imprensa mas, infelizmente, Kesha perdeu os processos judiciais e, supostamente, decidiu parar o processo para poder lançar material novo. “Praying” (rezando – em tradução livre) é o single de estreia desse disco novo e, assim como todo o resto do CD, fala dos monstros que enfrentou durante o período de abuso e da sua superação.

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Ouvir músicas, ler textos, ver obras de arte e assistir a filmes tristes em momentos de tristeza trazem a sensação de que alguém entende aquele sofrimento pelo qual estamos passando. Para Emmanuel, os artistas que amamos são como faróis tornando nossas vidas mais confortáveis e a música e arte não são os maiores dos nossos problemas. Um começo bastante promissor seria a quebra do preconceito em relação aos transtornos mentais. “É muito mais fácil sentir empatia por alguém que tem câncer do que por alguém que sofre com depressão, por alguém que perdeu uma perna, do que por alguém que perdeu a paz por ter ataques de pânico toda vez que sai de casa”,  conclui ele.

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